Ciência e Pseudociência, Lutas de Poder e Corporações
Nos últimos tempos esta temática de contrapor os conceitos de Ciência e Pseudociência tem sido basta nos meios de comunicação social, por parte da Ordem dos Médicos, (O.M.) e não para a promoção de uma reflexão sobre a polémica associada ao problema da Demarcação e da Falseabilidade, iniciado pelo filósofo Karl Popper nos anos 30 do séc. passado, de modo a efectuar a distinção entre estas duas entidades, Ciência e Pseudociência, mas, para de forma insidiosa, e associando a Pseudociência às terapêuticas não-convencionais (TNC’s), reguladas pela lei 71/2013 e aprovada na Assembleia da República em 2 de Setembro de 2013, propositadamente as confundir com práticas mistico-mágicas.
O Actual bastonário da O.M. Miguel Guimarães, eleito por cerca de 20% dos médicos de Portugal, elegeu como bandeira da sua candidatura, a luta contra as TNC’s.
Após algumas tentativas menos conseguidas de combate franco, com publicações em blogs e arregimentando soldados que não devem ter surtido o efeito desejado, o Senhor Bastonário declarou de forma desafiante (ver aqui) ao então Ministro da Saúde, aquando da publicação do diploma do Ciclo de Estudos de Medicina Tradicional Chinesa, que iria usar formas inéditas para combater a utilização destas intervenções junto de quem a elas recorre, doentes e pessoas saudáveis.
Neste início de Ano a congénere espanhola da O.M, numa clara manobra de lobby junto da Ministra da saúde de Espanha, lançou uma campanha para lutar contra a Pseudociência na saúde e colocar fora do sistema sanitário (terminologia castelhana) as terapias que recorrem a pseudociência e a O.M. logo se uniu para igualmente varrer com tais práticas, sem no entanto alguma vez as mencionar explicitamente,
Sem nunca se referir à acupunctura ou a medicina tradicional chinesa de forma explícita, e misturando num mesmo saco, tal como o fizeram os EUA no final do século passado, criando o conceito de CAM, hoje largamente criticado e abandonado por não permitir qualquer análise séria das intervenções junto dos pacientes, é a estas que o Dr. Miguel Guimarães pretende atingir.
Considerar práticas como a leitura dos búzio e das borras de café, ou mesmo da oração com outras como a Acupunctura, a Osteopatia ou a Medicina Tradicional Chinesa, todas elas com inúmeros casos de sucesso terapêutico, relatados de modo empírico, e muitas vezes sujeito a estudos experimentais, nada tem de inédito nem de criativo, mas tem muito de má-fé, obscurantismo e baixa moral.
De facto as formas criativas que o Senhor Bastonário escolheu são moralmente repugnantes, porque misturam intervenções que não são comparáveis, e são cientificamente desonestas, porque recusam a comprovação científica que existe em grande quantidade (deixamos apenas um link de alguém que participou num simposium organizado pela SPMC, Mel Koppelman, e que a sociedade portuguesa médica de acupunctura, pensando tratar-se de uma médica, cremos nós, usou também no seu sítio de internet), para provar os dois pressupostos necessários a permitir a intervenção clínica com base nestas terapêuticas:
- Serem clinicamente eficazes, isto é a ver melhoria da saúde (ou atraso na evolução da doença) após a intervenção clínica.
- Serem seguras, isto é o risco para o paciente ser mínimo ou inexistente, (conforme pode ser observado em diversos artigos dos quais destacamos um inquérito com 32 000 casos e que aponta ” Acupuncture seems, in skilledhands, one of the safer forms of medicalintervention.”;
São estas duas premissas que devem nortear, e nortearam, a cobertura que o estado português dá as TNC’s ao regulamentá-las, para que, de forma livre e segura, os pacientes possam a elas recorrer, e que ao estarem enquadradas juridicamente, a segurança dos cidadãos possa estar salvaguardada.
Ao invés de garantir aos cidadãos que a elas recorrem, as preposições atrás referidas, a tentativa que terá, queremos crer, o mesmo fim que as outras tentativas anteriores tiveram, vai contribuir para que a prática desregulada seja a norma, com claros riscos para a saúde dos portugueses e óbvia redução da qualidade de vida dos Portugueses.
As formas de luta criativa do Senhor Bastonário,
- não visam nem a segurança dos pacientes, isso só é possível se os profissionais que as aplicam estiverem regulados e forem fiscalizados,
- nem a verificação da garantia científica destas práticas, isso só é possível com estudos e academia.
Ora, quer a segurança, quer a verificação científica se adquirem com um enquadramento académico no ensino superior.
Aliás umas das mais valias da lei portuguesa das TNC’s, a Lei 71/2013, é enquadrar não só os aspectos relativos ao exercício profissional, mas regular a sua formação, com a publicação dos conteúdos funcionais, dos ciclos de estudos, e as condições em que deve ocorrer o seu exercício.
Em vez de pugnar por uma correcta aplicação da regulamentação da actividade, o Senhor Bastonário da O.M. decide pressionar a Presidência da República para vetar o diploma de reconhecimento de interesse público de uma escola para o ensino das TNC’s, demonstrando apenas que em termos de sectarismo e corporações estamos como estávamos nos Séc. XVI, XVII e XVIII e nas querelas entre Médicos e Cirurgiões ou “Físicos” e Farmacêuticos.
A este assunto voltaremos em breve.